PAGODE ESCONDE RACISMO E HUMILHAÇÃO SOCIAL
Ritmo que diluiu o samba não contribui para enobrecer a população pobre no Brasil
O Brasil dos anos 90 assistiu à ascensão, a partir de 1993, de um ritmo diluído, mais um dos que utilizam elementos da música popular para distorcer seu formato e transformá-lo num estilo brega e de péssima qualidade artística.
A diluição do samba, um ritmo genuinamente popular de origem africana, se deu a partir dos anos 80, quando a música brega dos anos 70 estimulou o estilo piegas de Michael Sullivan e Paulo Massadas. Na década de 90, o sucesso do chamado breganejo (termo pejorativo que se refere à diluição brega da música sertaneja, com elementos do ritmo mexicano mariachi e da música country dos EUA, também em sua diluição comercial recente) de duplas como Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo, estimulou a indústria fonográfica e os mass media brasileiros a investir numa diluição do samba, fundindo o som (autêntico) de grupos como Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho e a breguice de Sullivan & Massadas e seus “pupilos” (José Augusto, Alcione (*),Élson do Forrogode, Xuxa).
A partir daí, veio a tendência chamada “pagode”, nome tirado de uma palavra originalmente relacionada com a cultura oriental. Segundo os povos orientais, “pagode” era o nome de um templo onde se adoravam os deuses dessas civilizações, e o nome também era atribuído a cada deus venerado por esses povos. Depois, o termo foi usado, popularmente, no Brasil como uma reunião de amigos e parentes no fundo de quintal de uma típica casa de subúrbio. Nesse tipo de reunião, era muito comum haver rodas de samba, principalmente no descanso depois do almoço. Com isso, “pagode” virou sinônimo de samba, num contexto mais moderno, até o início dos anos 90.
Todavia, a apropriação do termo corrompeu essa denominação, e o que era “pagode” passou a ser conhecido apenas como samba, da mesma forma que o termo “gospel”, de tão corrompido pelas seitas evangélicas, deixou de denominar o gênero que deu origem à soul music, hoje denominado simplesmente de spirituals.
O pagode que ficou conhecido nos anos 90 é uma diluição do samba. Como toda tendência popularesca, é um estilo de interesse prioritário dos empresários dos grupos envolvidos. Portanto, não é música genuinamente popular, mas uma caricatura disso. Duas facções básicas são observadas nesse pagode:
1. A paulista, com grupos muito numerosos de rapazes que fazem uma coreografia e às vezes tocam instrumentos de samba. Se inspiram diretamente no repertório de Sullivan & Massadas. Gravam muitas baladas e têm vocalistas carismáticos que, com o tempo, se sobressaem aos demais integrantes. Exemplos: Só Pra Contrariar, Raça Negra, Exaltasamba, Soweto, Os Travessos.
2. A baiana, com grupos de em média cinco integrantes. Alguns não constituem em bandas, pois sua formação se limita a dois cantores e três dançarinos. Uns possuem dançarinas, outros apenas possuem homens na formação. Exemplos: É O Tchan, Harmonia do Samba, Selakuatro, Terra Samba, Patrulha do Samba.
Assim como o pagode paulista tem como ênfase a pieguice e o aparente clima de camaradagem de seus membros entre si e com o público, o pagode baiano tem como ênfase o erotismo e as letras de duplo sentido, que sugerem ato sexual.
O pagode paulista se autodefine como um “samba rock” ou um “samba pop”, e entre 1995 e 1999 se esforçou em tentar conquistar o reduto da MTV, não dando certo na tentativa. Já o pagode baiano, por sua vez, se autoproclama um “samba de raiz” (usando como pretexto o uso do cavaquinho), se atrevendo a se classificar como “samba do Recôncavo”, também evocando o nome do veterano compositor Riachão (autor de “Cada macaco no seu galho (Chô Chuá)”) para levar vantagem. Também é muito comum o pagode baiano ser rotulado de “suíngue” (forma aportuguesada de swing) por seus defensores e um grupo do gênero, oportunista, chegou a colocar, num concerto ao vivo, um som tocado de disco – provavelmente do obscuro DJ Jive Bunny, que em 1989 transformou o som jovem dos anos 50 e 60 em medley para as pistas de dança – da música “In The Mood”, consagrada pela Glenn Miller Orchestra. Glenn Miller, desaparecido numa operação militar, era um dos nomes do swing, versão dançante e comercialmente acessível do jazz.
Na verdade, os dois gêneros não correspondem a suas respectivas rotulações. Eles correspondem, na prática, a diluições de ritmos de gafieira, principalmente o baiano, aos moldes comerciais que garantam rápida venda de discos, embora não tenham a menor importância artística. Alguns críticos porraloucas, desses que acham que “lixo pode ser luxo”, dão valor ao pagode só porque é “divertido”.
Num de seus momentos lamentáveis, o jornalista Álvaro Pereira Júnior classificou o pagode, seja o paulista (Katinguelê) e o baiano (É O Tchan) como “despretensiosos”, em reação à MPB de Caetano Veloso odiada pelo jornalista. No entanto, o pagode se revelou um dos estilos muito mais pretensiosos, a ponto do rebolado de Carla Perez ter sido considerado por uns como “expressão da libertação feminina”, quando o que ela fez no É O Tchan foi simplesmente desempenhar o papel de boazuda que, do contrário que uns disseram, pregava, isso sim, um papel subserviente aos instintos sexuais machistas.
POR QUE O PAGODE PREJUDICA O NEGRO POBRE?
Muitas pessoas podem julgar um exagero, mas o pagode demonstra ser uma manifestação sutil de racismo e de humilhação social que mantém a população pobre sob domínio das políticas populistas e impede sua evolução. A vulgaridade e o baixo nível do pagode são tão intensos que nem mesmo uma escolaridade razoável consegue resolver sem qualquer reação crítica a isso.
É só observar que até universitários, artistas e intelectuais considerados acima de qualquer suspeita quase se renderam a esse “canto de sereia”. Uns até se renderam. Outros chegaram a defender radicalmente, como o falecido guitarrista dos Titãs, Marcelo Fromer (1961-2001). Setores da intelectualidade afeitos a endeusar o kitsch (objeto de mau gosto cultural que é promovido como se fosse “de bom gosto”) julgavam “divertido” o fenômeno da Carla Perez.
Mas é só comparar o pagode atual com o samba tradicional – que hoje tem, erroneamente, o status de “erudito”, quando se trata, de fato, de cultura popular – que se vê o quanto o povo está sendo enganado com esse ritmo hipnótico. E as letras, a grosseria dos vocalistas de um Selakuatro ou Psirico, a pobreza melódica, a falsa ingenuidade das Sheilas do É O Tchan, os escândalos de Alexandre Pires (ex-Só Pra Contrariar) e Belo (ex-Soweto) só colocam o negro numa posição humilhante, mediante alguns estigmas a seguir:
1. O negro é tido como um “tarado” incurável, que mesmo casado é capaz de fazer filhos com amantes.
2. O negro é destinado a somente tocar percussão e cavaquinho, a rebolar no palco ou a vislumbrar moças rebolando, diversões que servem de “tranqüilizante” diante das dificuldades de inserção no mercado de trabalho e no aprimoramento educacional.
3. A ideologia do pagode também explora o negro como se ele fosse um “bobo alegre”, um idiota, desprovido de inteligência e senso crítico, principalmente no pagode baiano, onde o vocalista é um mero animador de platéia com seus refrões apelativos repetidos à exaustão.
4. Os escândalos a que Belo (acusado de se envolver com traficantes de drogas) e Alexandre Pires (acusado de homicídio culposo em um acidente de carro) se envolveram e o desfecho favorável a eles representa um estímulo ao desequilíbrio moral e um conformismo maior com a impunidade. Isso provoca, entre outras coisas, menor sensibilidade diante do sofrimento de outras famílias, menor sensibilidade ética em nome da hipócrita solidariedade com os ídolos que cometem erros graves.
5. Quanto ao povo pobre em geral, o pagode dá uma sensação de conformismo e até satisfação com a miséria, principalmente por parte da juventude, que dissolve toda sua energia em prol de um ritmo extremamente vulgar, malfeito e cafona.
6. O pagode também se torna nocivo à juventude, principalmente para rapazes de temperamento agressivo que dirigem seus carros com o som de pagode em altíssimo volume, e para moças adolescentes de subúrbio, que passam a ter uma personalidade ainda infantil, dotada de muita estupidez e burrice, em especial quando tentam paquerar ou assediar homens que não se sentem atraídos por elas.
7. Na mais inofensiva das hipóteses, o pagode, se não corrompe aqueles que os ouvem, promove uma péssima educação musical, viciando seu potencial de percepção e tomando como “samba autêntico” aquilo que não é mais do que sua diluição, sua versão falsificada.
Algumas canções de pagode são muito agressivas. “Segura o Tchan”, do grupo É O Tchan, e “Tapa na Cara”, do conjunto baiano de sucesso local Pagodart, são os típicos exemplos. Enquanto a primeira canção faz alusões sutis ao estupro, a segunda mostra, na letra, que o narrador-cantor vai dar um “tapa na cara” na moça (chamada carinhosamente de “mãe”, algo similar ao que ocorre lá fora, na música pop, onde “mama” tem sentido de baby, “benzinho”, “querida”): “Eu vou te dar, ma-mãe / Tapa na cara”.
Outro detalhe é quando intérpretes consagrados, como É O Tchan, Harmonia do Samba e Só Pra Contrariar, tentam dar uma suposta evolução sonora. Além dessa evolução não significar uma música de qualidade, a uma observação mais cautelosa essa evolução é inexpressiva. O acústico do Só Pra Contrariar, por exemplo, que marca a despedida de Alexandre Pires do grupo, está apenas na medida de qualquer cancioneiro romântico-brega dos anos 70, com seus violinos chorosos. Seu “Acústico” pode ter incluído participações de Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas isso não garante a entrada de um grupo popularesco no primeiro e nem sequer no último time da MPB. Sua essência – popularesca, ou seja, comercial-brega - confirma isso.
Portanto, não é por preconceitos moralistas ou por suposto purismo cultural que se condena o pagode. É, isso sim, por ética e em nome da qualidade cultural. Por outro lado, pode-se dizer, isso sim, que defender a diluição do samba em nome de uma suposta “espontaneidade popular” é, isso sim, um grande preconceito, pois esconde um desejo de ver o povo pobre como um bando de eternos badameiros culturais, a viver sempre apreciando o lixo e o primitivismo. E condenar o pobre a permanecer nesse lixo é condená-lo a viver na sua baixa auto-estima cultural, na sua ilusão populista que os impede de buscar a verdadeira melhoria na qualidade de vida. Uma melhoria que significa muito mais do que meia-dúzia de ídolos vendendo muitos discos e comprando carros importados.
(*) A maranhense Alcione é uma cantora autêntica de música brasileira, que adotou como estilo principal o samba e o samba-canção, mas teve uma fase comercial nos anos 80, quando foi gravar canções de Sullivan & Massadas.
Ritmo que diluiu o samba não contribui para enobrecer a população pobre no Brasil
O Brasil dos anos 90 assistiu à ascensão, a partir de 1993, de um ritmo diluído, mais um dos que utilizam elementos da música popular para distorcer seu formato e transformá-lo num estilo brega e de péssima qualidade artística.
A diluição do samba, um ritmo genuinamente popular de origem africana, se deu a partir dos anos 80, quando a música brega dos anos 70 estimulou o estilo piegas de Michael Sullivan e Paulo Massadas. Na década de 90, o sucesso do chamado breganejo (termo pejorativo que se refere à diluição brega da música sertaneja, com elementos do ritmo mexicano mariachi e da música country dos EUA, também em sua diluição comercial recente) de duplas como Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo, estimulou a indústria fonográfica e os mass media brasileiros a investir numa diluição do samba, fundindo o som (autêntico) de grupos como Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho e a breguice de Sullivan & Massadas e seus “pupilos” (José Augusto, Alcione (*),Élson do Forrogode, Xuxa).
A partir daí, veio a tendência chamada “pagode”, nome tirado de uma palavra originalmente relacionada com a cultura oriental. Segundo os povos orientais, “pagode” era o nome de um templo onde se adoravam os deuses dessas civilizações, e o nome também era atribuído a cada deus venerado por esses povos. Depois, o termo foi usado, popularmente, no Brasil como uma reunião de amigos e parentes no fundo de quintal de uma típica casa de subúrbio. Nesse tipo de reunião, era muito comum haver rodas de samba, principalmente no descanso depois do almoço. Com isso, “pagode” virou sinônimo de samba, num contexto mais moderno, até o início dos anos 90.
Todavia, a apropriação do termo corrompeu essa denominação, e o que era “pagode” passou a ser conhecido apenas como samba, da mesma forma que o termo “gospel”, de tão corrompido pelas seitas evangélicas, deixou de denominar o gênero que deu origem à soul music, hoje denominado simplesmente de spirituals.
O pagode que ficou conhecido nos anos 90 é uma diluição do samba. Como toda tendência popularesca, é um estilo de interesse prioritário dos empresários dos grupos envolvidos. Portanto, não é música genuinamente popular, mas uma caricatura disso. Duas facções básicas são observadas nesse pagode:
1. A paulista, com grupos muito numerosos de rapazes que fazem uma coreografia e às vezes tocam instrumentos de samba. Se inspiram diretamente no repertório de Sullivan & Massadas. Gravam muitas baladas e têm vocalistas carismáticos que, com o tempo, se sobressaem aos demais integrantes. Exemplos: Só Pra Contrariar, Raça Negra, Exaltasamba, Soweto, Os Travessos.
2. A baiana, com grupos de em média cinco integrantes. Alguns não constituem em bandas, pois sua formação se limita a dois cantores e três dançarinos. Uns possuem dançarinas, outros apenas possuem homens na formação. Exemplos: É O Tchan, Harmonia do Samba, Selakuatro, Terra Samba, Patrulha do Samba.
Assim como o pagode paulista tem como ênfase a pieguice e o aparente clima de camaradagem de seus membros entre si e com o público, o pagode baiano tem como ênfase o erotismo e as letras de duplo sentido, que sugerem ato sexual.
O pagode paulista se autodefine como um “samba rock” ou um “samba pop”, e entre 1995 e 1999 se esforçou em tentar conquistar o reduto da MTV, não dando certo na tentativa. Já o pagode baiano, por sua vez, se autoproclama um “samba de raiz” (usando como pretexto o uso do cavaquinho), se atrevendo a se classificar como “samba do Recôncavo”, também evocando o nome do veterano compositor Riachão (autor de “Cada macaco no seu galho (Chô Chuá)”) para levar vantagem. Também é muito comum o pagode baiano ser rotulado de “suíngue” (forma aportuguesada de swing) por seus defensores e um grupo do gênero, oportunista, chegou a colocar, num concerto ao vivo, um som tocado de disco – provavelmente do obscuro DJ Jive Bunny, que em 1989 transformou o som jovem dos anos 50 e 60 em medley para as pistas de dança – da música “In The Mood”, consagrada pela Glenn Miller Orchestra. Glenn Miller, desaparecido numa operação militar, era um dos nomes do swing, versão dançante e comercialmente acessível do jazz.
Na verdade, os dois gêneros não correspondem a suas respectivas rotulações. Eles correspondem, na prática, a diluições de ritmos de gafieira, principalmente o baiano, aos moldes comerciais que garantam rápida venda de discos, embora não tenham a menor importância artística. Alguns críticos porraloucas, desses que acham que “lixo pode ser luxo”, dão valor ao pagode só porque é “divertido”.
Num de seus momentos lamentáveis, o jornalista Álvaro Pereira Júnior classificou o pagode, seja o paulista (Katinguelê) e o baiano (É O Tchan) como “despretensiosos”, em reação à MPB de Caetano Veloso odiada pelo jornalista. No entanto, o pagode se revelou um dos estilos muito mais pretensiosos, a ponto do rebolado de Carla Perez ter sido considerado por uns como “expressão da libertação feminina”, quando o que ela fez no É O Tchan foi simplesmente desempenhar o papel de boazuda que, do contrário que uns disseram, pregava, isso sim, um papel subserviente aos instintos sexuais machistas.
POR QUE O PAGODE PREJUDICA O NEGRO POBRE?
Muitas pessoas podem julgar um exagero, mas o pagode demonstra ser uma manifestação sutil de racismo e de humilhação social que mantém a população pobre sob domínio das políticas populistas e impede sua evolução. A vulgaridade e o baixo nível do pagode são tão intensos que nem mesmo uma escolaridade razoável consegue resolver sem qualquer reação crítica a isso.
É só observar que até universitários, artistas e intelectuais considerados acima de qualquer suspeita quase se renderam a esse “canto de sereia”. Uns até se renderam. Outros chegaram a defender radicalmente, como o falecido guitarrista dos Titãs, Marcelo Fromer (1961-2001). Setores da intelectualidade afeitos a endeusar o kitsch (objeto de mau gosto cultural que é promovido como se fosse “de bom gosto”) julgavam “divertido” o fenômeno da Carla Perez.
Mas é só comparar o pagode atual com o samba tradicional – que hoje tem, erroneamente, o status de “erudito”, quando se trata, de fato, de cultura popular – que se vê o quanto o povo está sendo enganado com esse ritmo hipnótico. E as letras, a grosseria dos vocalistas de um Selakuatro ou Psirico, a pobreza melódica, a falsa ingenuidade das Sheilas do É O Tchan, os escândalos de Alexandre Pires (ex-Só Pra Contrariar) e Belo (ex-Soweto) só colocam o negro numa posição humilhante, mediante alguns estigmas a seguir:
1. O negro é tido como um “tarado” incurável, que mesmo casado é capaz de fazer filhos com amantes.
2. O negro é destinado a somente tocar percussão e cavaquinho, a rebolar no palco ou a vislumbrar moças rebolando, diversões que servem de “tranqüilizante” diante das dificuldades de inserção no mercado de trabalho e no aprimoramento educacional.
3. A ideologia do pagode também explora o negro como se ele fosse um “bobo alegre”, um idiota, desprovido de inteligência e senso crítico, principalmente no pagode baiano, onde o vocalista é um mero animador de platéia com seus refrões apelativos repetidos à exaustão.
4. Os escândalos a que Belo (acusado de se envolver com traficantes de drogas) e Alexandre Pires (acusado de homicídio culposo em um acidente de carro) se envolveram e o desfecho favorável a eles representa um estímulo ao desequilíbrio moral e um conformismo maior com a impunidade. Isso provoca, entre outras coisas, menor sensibilidade diante do sofrimento de outras famílias, menor sensibilidade ética em nome da hipócrita solidariedade com os ídolos que cometem erros graves.
5. Quanto ao povo pobre em geral, o pagode dá uma sensação de conformismo e até satisfação com a miséria, principalmente por parte da juventude, que dissolve toda sua energia em prol de um ritmo extremamente vulgar, malfeito e cafona.
6. O pagode também se torna nocivo à juventude, principalmente para rapazes de temperamento agressivo que dirigem seus carros com o som de pagode em altíssimo volume, e para moças adolescentes de subúrbio, que passam a ter uma personalidade ainda infantil, dotada de muita estupidez e burrice, em especial quando tentam paquerar ou assediar homens que não se sentem atraídos por elas.
7. Na mais inofensiva das hipóteses, o pagode, se não corrompe aqueles que os ouvem, promove uma péssima educação musical, viciando seu potencial de percepção e tomando como “samba autêntico” aquilo que não é mais do que sua diluição, sua versão falsificada.
Algumas canções de pagode são muito agressivas. “Segura o Tchan”, do grupo É O Tchan, e “Tapa na Cara”, do conjunto baiano de sucesso local Pagodart, são os típicos exemplos. Enquanto a primeira canção faz alusões sutis ao estupro, a segunda mostra, na letra, que o narrador-cantor vai dar um “tapa na cara” na moça (chamada carinhosamente de “mãe”, algo similar ao que ocorre lá fora, na música pop, onde “mama” tem sentido de baby, “benzinho”, “querida”): “Eu vou te dar, ma-mãe / Tapa na cara”.
Outro detalhe é quando intérpretes consagrados, como É O Tchan, Harmonia do Samba e Só Pra Contrariar, tentam dar uma suposta evolução sonora. Além dessa evolução não significar uma música de qualidade, a uma observação mais cautelosa essa evolução é inexpressiva. O acústico do Só Pra Contrariar, por exemplo, que marca a despedida de Alexandre Pires do grupo, está apenas na medida de qualquer cancioneiro romântico-brega dos anos 70, com seus violinos chorosos. Seu “Acústico” pode ter incluído participações de Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas isso não garante a entrada de um grupo popularesco no primeiro e nem sequer no último time da MPB. Sua essência – popularesca, ou seja, comercial-brega - confirma isso.
Portanto, não é por preconceitos moralistas ou por suposto purismo cultural que se condena o pagode. É, isso sim, por ética e em nome da qualidade cultural. Por outro lado, pode-se dizer, isso sim, que defender a diluição do samba em nome de uma suposta “espontaneidade popular” é, isso sim, um grande preconceito, pois esconde um desejo de ver o povo pobre como um bando de eternos badameiros culturais, a viver sempre apreciando o lixo e o primitivismo. E condenar o pobre a permanecer nesse lixo é condená-lo a viver na sua baixa auto-estima cultural, na sua ilusão populista que os impede de buscar a verdadeira melhoria na qualidade de vida. Uma melhoria que significa muito mais do que meia-dúzia de ídolos vendendo muitos discos e comprando carros importados.
(*) A maranhense Alcione é uma cantora autêntica de música brasileira, que adotou como estilo principal o samba e o samba-canção, mas teve uma fase comercial nos anos 80, quando foi gravar canções de Sullivan & Massadas.