1998 foi um ano e tanto no mundo dos videogames. Banjo-Kazooie, Starcraft, Baldur’s Gate, Xenogears, Metal Gear Solid, Half-Life e muitos outros, chegaram aos nossos lares ao longo deste ano. Entre tantos medalhões que hoje detêm o status de clássico, mais um ainda seria lançado, mais precisamente no dia 21 de Novembro: The Legend of Zelda: Ocarina of Time.
Duas décadas após o seu primeiro lançamento, o game é prestigiado como poucos e considerado um marco na franquia por inúmeros motivos, sendo o principal deles a transição mais do que bem-sucedida de 2D para 3D. Foi a primeira vez que vimos Zelda, Link e Hyrule em três dimensões. E ninguém esperava que fosse tão bonito e agradável explorar os mundos de Zelda sob a ótica da tridimensionalidade. Para a nossa sorte, esse foi só o pontapé inicial para que outras aventuras fantásticas em três dimensões fossem desenvolvidas para a jornada épica de Link e companhia.
Acredito que existem franquias que foram imaginadas e desenvolvidas com tanta criatividade e detalhes que somente uma representação tridimensional seria capaz de transcrever de forma fidedigna o que foi pensado. Arrisco dizer que Zelda é uma delas.
Ocarina of Time foi lançado no Japão exatamente sete anos depois de A Link to the Past, mas na cronologia da franquia ele se passa antes dos acontecimentos do hit lançado para o 16-bit da Nintendo.
Inovações no gameplay
Com a transição para 3D, um leque de interrogações surgiu durante o desenvolvimento do game. O time queria fazer algo único, algo que ainda não tinha sido explorado até aquele momento, e uma das principais preocupações era como fazer o combate funcionar.
Foi dessa necessidade que surgiu o sistema que trava a mira de Link em um inimigo por vez, o Z-targeting, permitindo duelos com mais precisão, já que o herói estará sempre voltado para o inimigo que está na mira. E para isso tudo acontecer era só segurar (ou apertar, dependendo das preferências do jogador) o botão Z. O sistema serve também para travar a mira em objetos e personagens, como aprendemos logo no começo do jogo ao travar a mira em uma kokiri sentada em cima da loja onde podemos comprar os primeiros itens do jogo.
A ocarina, que já existia no seu predecessor, pela primeira vez se tornou um instrumento musical tocável, graças à genialidade de Shigeru Miyamoto que teve a ideia de permitir que o jogador pudesse tocá-la com os muitos botões do Nintendo 64. Depois de Ocarina of Time, inúmeros outros títulos da franquia incorporaram a ideia, como The Wind Waker, Skyward Sword e na continuação do game no N64, já que em Majora’s Mask todas as principais transformações de Link possuem seus próprios instrumentos.
A hoje inseparável companheira de viagem de Link, a égua Epona, fez sua primeira aparição na franquia em Ocarina of Time. A ideia inicial era usar algum item como forma de transporte para Link – o que acabou acontecendo com as canções que teletransportam o herói para inúmeros locais de Hyrule – mas a paixão por cavalos de Miyamoto falou mais alto. Junte isso ao fato de praticamente não haver games que permitissem ao jogador andar de cavalo naquela época e temos mais uma inovação que ficaria marcada na história dos games. Além, é claro, de criar mais um icônico personagem para a série.
Ocarina of Time também marcou a estreia das viagens no tempo – que foram utilizadas, mesmo que de formas diferentes, em títulos futuros – onde as ações e interações do jovem Link afetam e modificam o mundo de sua versão sete anos mais velha. Um ótimo exemplo disso é o Spirit Templeque deve ser explorado em ambos períodos de tempo para que se consiga chegar até o final.
O começo de uma longa jornada
A trama de Ocarina of Time põe em cena mais uma vez o icônico vilão da franquia, Ganondorf(Ganon), rei de uma raça de ladrões do deserto chamada Gerudo, que dessa vez pretende entrar no Sacred Realm, morada de um artefato que torna realidade os desejos de quem o possuir, o Triforce. Para isso, Ganondorf precisa obter três pedras sagradas que abrem o caminho até o artefato e além delas, a Ocarina of Time, tesouro da família real de Hyrule.
Nesta reencarnação do herói, Link é um kokiri, raça de espíritos da floresta, e único entre o seu povo que não possuía uma fada protetora. Mas a mudança brusca de rumo que o enredo traria para sua vida, mudaria isso e muito mais, inclusive sua origem kokiri, mas isso é assunto para outro dia.
Uma das pedras, a Kokiri’s Emerald, é protegida pela Great Deku Tree, árvore protetora dos kokiris. Ao se recusar a entregá-la a Ganondorf, a grande árvore é amaldiçoada pelo gerudo, pedindo ajuda a Link e a Navi, que passa a ser a fada protetora do herói.
Mesmo com a ajuda de Link, a honrada árvore sucumbe ao mal que lhe foi infligido. Mas antes de dar seus últimos suspiros, entrega a esmeralda a ele e pede que o garoto vá até o Castelo de Hyruleencontrar a princesa Zelda e avisar-lhe do perigo iminente, colocando Link no início de seu caminho para se tornar o Herói do Tempo.
Assim começa a epopeia do herói orelhudo em Ocarina of Time, que o levaria aos mais inóspitos cantos de Hyrule em sua busca pelas outras pedras e que culminaria com o garoto puxando a lendária Master Sword de seu pedestal, transformando sua vida para sempre.
A trama do game ainda envolve viagens no tempo, uma versão mais velha de Link e ao reencontro com velhos conhecidos de sua infância, que agora desempenham um papel chave como sábios e guardiões do caminho que leva ao Sacred Realm e ao Triforce em uma corrida contra o tempo para salvar uma definhante Hyrule que está sob os domínios de Ganondorf.
A importância para a franquia
O final de Ocarina of Time é um dos mais ricos pois divide a timeline da série em três caminhos distintos:
A Child Timeline, como é conhecida a linha do tempo em que Link volta a ser criança no final do game, implica que o caminho até o Sacred Realm nunca foi aberto e Zelda e Link lidam com a ameaça de Ganondorf de forma diferente. Nessa timeline temos Majora’s Mask, Twilight Princess e Four Swords Adventures.
A timeline onde Link é adulto – Adult Timeline – é dividida em duas. Em uma ele consegue derrotar Ganondorf, em outra ele é derrotado pelo vilão.
Derrotado, Ganon é aprisionado no Sacred Realm e após muito tempo consegue se libertar e não há nenhum herói para confrontá-lo, fazendo com que os deuses inundem Hyrule para impedir sua ameaça. O que nos leva aos games The Wind Waker, The Phantom Hourglass e Spirit Tracks.
Ao falhar em sua tentativa de derrotar Ganondorf, o vilão se apodera das outras partes do Triforce e se transforma no Demon King. Em um último esforço para combater o mal, os sábios conseguem aprisioná-lo no Sacred Realm. Enquanto Hyrule vivia dias de paz, Ganon transformou o Sacred Realm no Dark World de A Link to the Past, dando sequência à essa timeline que é seguida por Link’s Awakening, Oracle of Seasons e Oracle of Ages, A Link Between Worlds, Tri-Force Heroes, The Legend of Zelda (o primeirão) e por último, The Adventure of Link.
Prodígio audiovisual
A ideia inicial para Ocarina of Time é que ele seria inspirado em algo muito tradicional no Japão: um estilo comum em filmes e teatros japoneses que envolve batalhas de sabre que lá é chamado de chambara. Logo, técnicas de captura de movimento resultaram em um produto final com aproximadamente 500 animações, contando todos os personagens do jogo.
Com tanto foco no combate, a equipe chegou a cogitar o uso da câmera em primeira pessoa para que os desenvolvedores priorizassem os inimigos e os ricos cenários do game. Mas assim que a ideia de existir duas versões de Link – uma criança e outra adolescente – surgiu, essa ideia do jogo se passar em primeira pessoa caiu por terra para que existisse distinção visual do herói. Além de que, segundo o próprio Miyamoto, o visual de Link estava muito bom para não ser mostrado, resultando na visão em terceira pessoa que acompanhou o cartucho até o seu lançamento.
E por falar em cartucho, para conseguir o efeito cinematográfico que Miyamoto tanto queria, as cutscenes de Ocarina of Time tiveram que ser construídas em tempo real, sem cenas pré-renderizadas. Com mais de 90 minutos de sequências, mesmo que o jogo fosse lançado em CD-ROM, traria um problema de espaço caso todo esse conteúdo fosse pré-renderizado.
O motor gráfico do jogo é o mesmo de Super Mario 64, que após sofrer inúmeras modificações para se adequar às necessidades de desenvolvimento, pode ser considerado um produto totalmente diferente. O resultado de tantos ajustes e melhorias é a incontestável riqueza visual de Ocarina of Time na época de seu lançamento, deixando o game do bigodudo comendo poeira nesse quesito, mesmo ambos tendo partido da mesma origem e por boa parte do tempo, terem sido desenvolvidos simultaneamente.
Outro aspecto de sucesso é a trilha sonora composta por Koji Kondo, figura carimbada da Nintendo, tendo em seu currículo jogos como Super Mario World, Star Foxe títulos anteriores da franquia, como o primeiro The Legend of Zelda de 1986 e A Link to the Past de 1991.
Em Ocarina of Time, Kondo continua a sua carreira de sucesso como compositor de games e adiciona mais algumas trilhas incríveis ao seu vasto currículo de sucesso, além de mostrar toda sua versatilidade para compor os temas tocado por Link em sua ocarina.
Hyrule, uma terra vasta em locais e lembranças
A primeira vez a gente nunca esquece. Essa frase clichê serve para inúmeros momentos de nossa vida, inclusive quando estamos jogando videogames. Depois de 20 anos desde o contato inicial com Ocarina of Time, acredito que muitos ainda vão se lembrar com detalhes de vários lugares desse mundo cheio de aventuras e momentos inesquecíveis.
A inexorável sensação de aventura ao sair de sua terra natal, Kokiri Forest, pela primeira vez, passando pelo excelente mini game de pescaria às margens do Lake Hylia até o pico mais alto de todo o game, a Death Mountain e todos seus perigos. Tudo está ali, como uma carta de amor a todo bom fã de mundos cheios de fantasia e segredos a serem revelados.
Ocarina of time foi um dos primeiros games a nos presentear com um mundo fantástico, totalmente tridimensional, onde a sensação de liberdade era palpável. O que fazer dependia única e exclusivamente da vontade do jogador. Ora explorando um buraco recém descoberto no chão, ora dando continuidade à história principal.
Hoje em dia já vimos essa mesma fórmula, melhorada, maximizada e modificada inúmeras vezes, dentro e fora da franquia. O mundo aberto de Breath of the Wild, Red Dead Redemption II ou Monster Hunter World são bons exemplos disso. Mas a primeira vez a gente nunca esquece. Só para lembrar, o primeiro GTA em 3D que a Rockstar desenvolveu, GTA 3, só viria a ser lançado três anos depois de Ocarina of Time, em 2001.
Uma história atemporal sobre viagens no tempo
O pioneirismo que The Legend of Zelda: Ocarina of Time teve para a indústria é inegável e só não dá o braço a torcer quem não quer. Os gráficos de primeira (para a época), o detalhado mundo de Hyrule e o combate preciso e inovador fizeram com que o game rapidamente caísse na graça da mídia especializada e do público, além é claro, de ter sido um sucesso comercial.
Duas décadas depois de seu lançamento e com algumas versões relançadas, como a excelente entrada para Nintendo 3DS, Ocarina of Time ainda conquista jogadores mundo afora e é jogado e lembrado com carinho por inúmeros outros, que acompanham sua história desde o contato inicial.
E por essas peças que a vida gosta de nos pregar, justamente um jogo que trata de viagens no tempo e suas consequências acabou transformando o tempo em algo irrelevante perante a sua importância e atemporalidade no competitivo mundo dos videogames.
The Legend of Zelda: Ocarina of Time e o início de uma vasta narrativa
Não há absolutamente qualquer elogio que possa ser atribuído a Ocarina of Time que já não tenha sido mencionado anteriormente. O Nintendo 64 elevou Zelda a patamares jamais alcançados até então ─ com seus consoles de 8 e 16 bits ─, estabelecendo-se como o jogo mais vendido da franquia.
Analisando mais precisamente as características dos jogos anteriores do jovem Link em suas aventuras pela não-tão-conhecida Hyrule, podemos sentir uma certa diferença na abordagem das mecânicas centrais que podem ter passado despercebidas, pelos jogadores mais distraídos, ou que tenham virado objeto de críticas severas pelos fãs mais antigos do pequeno Hylian. Estamos falando do estabelecimento de uma narrativa vasta em torno da exploração do mundo, que era fracamente abordada até o quarto jogo da franquia (The Legend of Zelda: Link’s Awakening) por uma série de impedimentos relacionados ao design dos jogos.
Veremos a seguir as mudanças que The Legend of Zelda: Ocarina of Time trouxe para contribuir com a vasta (e confusa) história de Link, Ganon e a princesa que dá nome à esta obra de arte.
O Link ao Passado
Há um conceito apontado por Clint Hocking, ex-diretor criativo da LucasArts e Ubisoft, em 2007 em seu blog que se chama Dissonância Ludonarrativa. Basicamente, isso ocorre quando a narrativa e as mecânicas do jogo não conversam entre si. Para ficar mais claro, tomemos Final Fantasy VII como exemplo, em que, ao final do segundo disco, é anunciado que o mundo está prestes a ser destruído e você pode gastar horas criando chocobos para ter acesso à summon Knights of Round ou até mesmo jogar basquete na Gold Saucer quando o mais sensato a se fazer é correr contra o tempo para evitar que toda a raça humana seja extinta.
Veremos a seguir a mudança que The Legend of Zelda: Ocarina of Time trouxe para fixar a vasta (e confusa) história de Link, Ganon e a princesa que dá nome à esta obra de arte.
Podemos dizer que existem dois extremos entre jogadores quando se trata desse conceito: os defensores das mecânicas e os das narrativas (vale lembrar que estes são grupos extremos e nem todos os jogadores se encaixam neles). Antigamente, na época dos 8 bits, pouco se falava sobre narrativas em games, o que coloca automaticamente os jogadores dentro do primeiro grupo. Até mesmo o espaço limitado nos cartuchos favorecia esse “foco” na mecânica e apenas uma ou outra linha de história ─ quando havia alguma ─ presente no manual.
Em 1986, The Legend of Zelda deu aos jogadores uma incrível experiência em um mundo aberto. Era possível andar por terras desconhecidas, desbravar masmorras, enfrentar todos os tipos de inimigos, coletar diferentes tesouros, encontrar cavernas escondidas e tantas outras ações que outros gêneros não forneciam. Para aquele gamer que adquirisse o cobiçado cartucho, horas e mais horas de aventura estavam garantidas. A encarnação do personagem e o sentimento de participar de uma jornada como o herói trazia uma sensação única e prazerosa. (Poderíamos trazer à tona, neste momento, a famosa discussão sobre Zelda ser ou não ser um RPG, mas não o faremos.)
E quanto ao aspecto narrativo de The Legend of Zelda? Bom… Você ficou sabendo que tem uma princesa lá em algum lugar, e que você tem que coletar “uns negócios triangulares que formam um triângulo grande”, que tem de impedir os planos de um cara qualquer com “cara de porco”, que você é um… Sei lá… Uma espécie de elfo que ganhou uma espada de uma cara barbudo numa caverna. Tudo contado em meia dúzia de linhas e sem qualquer apego sentimental do jogador sobre o que se passa no momento.
De certa forma, a harmonia ludonarrativa, mesmo que ainda não definida teoricamente naquela época entre os desenvolvedores, está totalmente presente nos aspectos do jogo. Antigamente, principalmente com gráficos pixelados em 2D e visão isométrica, ninguém se impressionava ao ver os elementos do cenário, e a história por trás do mundo simplesmente não importava tanto para a maioria dos jogadores. Abrir um baú e encontrar uma espada rara era uma ação que se fosse realizada em mais de alguns milissegundos poderia tornar a aventura um tanto tediosa. O jogador queria mesmo era sair espetando a espada em algum bicho solto por aí.
Nos anos seguintes, mesmo com a criação de uma pequenina e ainda confusa história para tentar conectar os jogos que vieram em sequência, a fórmula de apresentar poucos mitos sobre a terra explorada e um alto nível de desbravamento de Hyrule continuaram a ser a receita principal da franquia. (Será que podemos esquecer por um momento que Zelda II: The Adventure of Link existe? Os caras quase arruinaram duas ótimas franquias no mesmo ano com a mesma receita errada! Sim, refiro-me a Castlevania II: Simon’s Quest.)
Eis que, em 1998, uma nova experiência surge.
Uma nova forma de explorar o mundo
A quinta geração de consoles trouxe uma mudança relativamente simples mas que reinventou o modo de explorar o mundo: os polígonos. Embora alguns jogos os utilizassem durante a quarta geração, as possibilidades eram muito limitadas. Qual é o nível de exploração de cenário que pode ser realizado em jogos como Star Fox ou Hard Drivin’? Zero!
Formas criadas em três dimensões agora apresentavam um novo “eixo cartesiano” a ser observado. O simples ato de contemplar um personagem poderia se tornar algo interessante, pois diferentes ângulos poderiam revelar várias características do seu herói favorito que meia dúzia de sprites deixariam apenas a cargo da imaginação.
Após o lançamento de Super Mario 64, a possibilidade de trazer a franquia Zelda para esse novo mundo poligonal mexeu com a ansiedade dos fãs ─ e com certeza não desapontou a maioria deles. Em 21 de novembro de 1998, Hyrule transformou-se em um belíssimo, colorido e vasto campo de exploração em três dimensões para milhões de crianças ao redor do mundo. A simples possibilidade de focar a câmera em diferentes posições, olhar para qualquer lado e ver animações dignas de qualquer filme de Hollywood (pelo menos na imaginação de uma criança) mudaram totalmente a forma como os pequenos exploradores se sentiam nesta enigmática terra fantasiosa.
Com todos esses poderes concentrados na observação de um cenário vasto, outra característica apareceu para se tornar um dos pilares da atenção do jogador a partir deste ponto: o apego sentimental à narrativa. Um simples enfoque da câmera no rosto de Saria na cena que Link abandona a floresta de Kokiri é o suficiente para deixar qualquer jogador com o coração na mão. Cenas como a visão em primeira pessoa de Zelda fugindo com Impa em seu cavalo, Ganon tocando órgão antes da batalha final, a panorâmica resultante da “carona de coruja” após a quest na Dodongo’s Cavern ou até mesmo a simples animação do pequeno Link se debruçando sobre um gigantesco baú trazem emoção à aventura.
Com essas novas características, infelizmente vem um preço a se pagar. The Legend of Zelda: Ocarina of Time tornou-se um jogo mais lento no quesito exploração. Não que seja uma característica ruim, pois permitiu que longos diálogos, histórias contadas pelos próprios personagens e uma vasta narrativa fossem estabelecidos para colocar em ordem toda a bagunça deixada pela ausência narrativa dos jogos anteriores.
E é exatamente aqui que Zelda deixa de ser apenas um jogo de exploração para fixar-se como uma das maiores e mais famosas narrativas no mundo dos games. O amor pela princesa que detém o Triforce da Sabedoria, a honra de ser o Hylian destinado a salvar Hyrule das mãos de Ganondorf, a hesitação ao abandonar Saria em Kokiri Forest ─ que é tida como uma grande amiga de Link no jogo, mas com quem você mal teve tempo de interagir ─ e tantas outras cenas durante as horas de jogatina são capazes de despertar uma vasta gama de emoções nunca vistas em mais de dez anos desde o aparecimento de Link.
O sacrifício valeu a pena?
Embora seja um fã incondicional de boas narrativas em jogos, não seremos parciais neste momento. Há de se apontar uma grande falha que precisou ser melhor trabalhada na linha do tempo da franquia Zelda. Se você é um fã, deve saber que a cronologia dos jogos simplesmente não bate se considerarmos uma única dimensão espaço-temporal. Precisou-se de um trabalho em conjunto com as teorias e ideias dos fãs para chegar-se a uma solução, na qual a divisão espaço-temporal de Hyrule recebeu três distintos caminhos com diferentes “Links” e “Zeldas” espalhados pela história. Com dezenas de jogos no mercado, mapear toda a narrativa e encaixar as peças desse quebra-cabeças não é nada fácil.
Observe como a cronologia foi apontada no livro Hyrule Historia:
Além disso, alguns fãs, como observado no início do texto, ficaram desapontados com a inserção de tantos elementos narrativos em um mundo criado, primariamente, para suprir as necessidades de uma classe de jogadores sedentos por RPGs, mesmo que este comportamento tenha aparecido para “linkar” o que temos de mais belo no mundo de Hyrule com o apego emocional do humano em posse do joystick.
Um Heart Container de Ocarina of Time
Embora haja discussões sobre a plausível transição de foco da franquia a partir da quinta geração de consoles, The Legend of Zelda: Ocarina of Time é, indiscutivelmente, um título que está marcado na história e no coração de muitos jogadores.
Seja na delimitação do início de uma vasta narrativa, seja no aparecimento de cenas cinematográficas capazes de transmitir emoção ou até mesmo na nova forma de explorar o mundo, essa aventura possui um espaço reservado no cerne de cada jogador que tenha acompanhado o pequeno e jovem Link em sua primeira aventura tridimensional.
Lon Lon Ranch
Aliás, no rancho vivem Talon e Ingo, personagens inspirados em Mario e Luigi, respectivamente.
Os primeiros capítulos de uma lenda
Uma das primeiras revistas a chegar às bancas com Ocarina of Time na capa foi a Ação Games. Na edição nº 134, de dezembro de 1998, o periódico trazia uma ilustração original de Link e a sua Master Sword, assinada por Alexandre Jubran — quadrinista brasileiro que trabalhou em HQs da Marvel, como o Demolidor—, e contava com chamadas que já deixavam claro que o jogo não era como a maioria. No pé da capa estava escrito: “Zelda 64 – Saiba por que este pode ser um dos melhores games de todos os tempos.”
Depois de ler chamadas tão fortes, aposto que a maioria dos leitores folheou rapidamente a revista até a página 20, onde começa o texto intitulado “Zelda 64: uma revolução em fantasia”. Nas palavras da equipe da Ação Games, “criado por Shigeru Miyamoto, pai do Super Mario, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, ou Zelda 64, tem tudo para ser um dos melhores de todos os tempos trazendo um novo jeito de jogar videogame”.
O que primeiro chamou a atenção da Ação Games foi a grandiosidade do jogo. Tudo parecia gigante e cheio de possibilidades. E, “para fazer tudo isso, gastou-se uma memória de 256 Megabits (ou 32 Megabytes) de memória, a maior num cartucho da Nintendo, com sons e gráficos caprichadíssimos”. Quem leu as revistas da época sabe da importância que o tamanho dos cartuchos tinha. E, no caso de Zelda, ele já se tornava um atrativo simplesmente por ser o maior do console. Bons tempos, não é?
A matéria da Ação Games cuidou em situar o leitor sobre o jogo e até a franquia em si. Tem um box explicando a origem da série no NES e outro com uma breve descrição da trama. Para completar, e manter a tradição da revista, várias imagens são espalhadas pelas páginas, com breves legendas contando um pouco mais sobre o jogo, como descrição de armas e itens, por exemplo.
Por fim, a Ação Games fez questão de mostrar que o “Zelda 64” representava um novo e grande salto na produção de jogos, com destaque para a movimentação realista dos personagens, a forma como o clima mudava dentro da jornada e os ângulos de visão que são “como no cinema ou TV”.
A perfeição
Dezembro foi mesmo o ano de Ocarina of Time nas revistas. Na edição nº 36 da revista Gamers, Link apareceu em uma ilustração original tocando a sua ocarina, seguido da chamada nada discreta: “A criação máxima de Shigero Miyamoto faz jus ao nome que carrega e consagra-se como o maior jogo da história”.
Como já era de se esperar, a Gamers fez um texto completo sobre Ocarina of Time, com direito a explicação sobre a origem da série e uma análise detalhada dos principais aspectos do jogo (incluindo informações sobre a produção). Tudo isso com aquela boa e velha fonte minúscula para que coubesse a maior quantidade de informação que se tinha disponível, já que se tratava da “maior e melhor versão de Zelda já criada”. Mas, não era só isso. Segunda a Gamers, Ocarina of Time “é o maior e melhor jogo já criado para qualquer sistema até hoje”.
Eu poderia transcrever todas as páginas da Gamers aqui, tamanha a quantidade e a qualidade de informações sobre The Legendo of Zelda: Ocarina of Time. A redação explica e analisa o enredo, a jornada, as formas de exploração, a jogabilidade, o sistema de jogo, os gráficos, o som… Tudo, tudo mesmo! Vale a pena parar alguns minutos só para reler essa edição.
Por fim, no tradicional quadrinho de review, a Gamers deu nota máxima para o jogo (5.0), destacando como ponto positivo que Ocarina of Time é “um dos jogos mais bem produzidos da história, com uma riqueza de detalhes incrível e uma montagem concisa e inteligente, fazendo do conjunto um excelente exemplo de perfeição”.
Sobre as falhas do jogo, a mesma revista conclui: “nada, niente, nothing, nulla, nichts, rien, kaimu”. Ah, e tem mais, segundo a edição, “um contra é que você provavelmente vai deixar de namorar, dar um rolé, trabalhar, praticar esportes, ir à escola e outras coisas só para jogar.”
A chave de ouro da Nintendo
Encerrando a trilogia de capas nas grandes revistas da época, Ocarina of Time foi o grande destaque da Super GamePower nº 58, de janeiro de 1999. Além de trazer um calendário da Marjorie Bros, a edição foi lançada com uma ilustração original e a chamada: “A obra-prima chegou!”
Um pouco atrasada em relação às concorrentes, a Super GamePower não se aprofundou muito no jogo, mas trouxe diversas imagens e muitas dicas e manhas para o leitor começar a aventura. No review, assinado pelo personagem Marcelo Kamikaze, a edição foi direto ao ponto, dizendo que Zelda é “o jogo do ano!”, justificando que “os gráficos possuem um incrível detalhamento”, as animações e cenas são “de cinema, renderizadas em tempo real, dando pau em muita apresentação de CD”, e que o jogo possui uma “aventura enorme e uma infinidade de extras para fazer”.
Para finalizar, Kamikaze atribuiu nota máxima (5) e disse que a “Nintendo está jogando pesado para concorrer com o Dreamcast e o P.Station”. Como bem sabemos, a luta entre essas gigantes do entretenimento foi acirrada, o que resultou na produção de grandes títulos, entre eles, claro, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, um game que os donos de Nintendo 64 se orgulhavam de ter na biblioteca e que nenhuma das concorrentes conseguiu replicar com a mesma qualidade.
20 anos de história
The Legend of Zelda: Ocarina of Time realmente fez história. Desde o momento em que chegou às lojas, e foi analisado por especialistas, os jogadores desligaram-se de suas vidas para encarar a jornada do herói, que trouxe inovação, qualidade técnica e muita diversão para os donos de Nintendo 64 há 20 anos.
Certamente, trata-se de um jogo único, sem precedentes, que não precisou de mais do que dias para escrever seu nome no hall dos melhores jogos eletrônicos da história. Isso sim é uma lenda de verdade!
Fonte: Jogo Véio 01 e Jogo Véio 02 e Jogo Véio 03
Última edição por Sonymaster em Dom 06 Jan 2019, 12:50, editado 1 vez(es)
Duas décadas após o seu primeiro lançamento, o game é prestigiado como poucos e considerado um marco na franquia por inúmeros motivos, sendo o principal deles a transição mais do que bem-sucedida de 2D para 3D. Foi a primeira vez que vimos Zelda, Link e Hyrule em três dimensões. E ninguém esperava que fosse tão bonito e agradável explorar os mundos de Zelda sob a ótica da tridimensionalidade. Para a nossa sorte, esse foi só o pontapé inicial para que outras aventuras fantásticas em três dimensões fossem desenvolvidas para a jornada épica de Link e companhia.
Acredito que existem franquias que foram imaginadas e desenvolvidas com tanta criatividade e detalhes que somente uma representação tridimensional seria capaz de transcrever de forma fidedigna o que foi pensado. Arrisco dizer que Zelda é uma delas.
Ocarina of Time foi lançado no Japão exatamente sete anos depois de A Link to the Past, mas na cronologia da franquia ele se passa antes dos acontecimentos do hit lançado para o 16-bit da Nintendo.
Inovações no gameplay
Com a transição para 3D, um leque de interrogações surgiu durante o desenvolvimento do game. O time queria fazer algo único, algo que ainda não tinha sido explorado até aquele momento, e uma das principais preocupações era como fazer o combate funcionar.
Foi dessa necessidade que surgiu o sistema que trava a mira de Link em um inimigo por vez, o Z-targeting, permitindo duelos com mais precisão, já que o herói estará sempre voltado para o inimigo que está na mira. E para isso tudo acontecer era só segurar (ou apertar, dependendo das preferências do jogador) o botão Z. O sistema serve também para travar a mira em objetos e personagens, como aprendemos logo no começo do jogo ao travar a mira em uma kokiri sentada em cima da loja onde podemos comprar os primeiros itens do jogo.
A ocarina, que já existia no seu predecessor, pela primeira vez se tornou um instrumento musical tocável, graças à genialidade de Shigeru Miyamoto que teve a ideia de permitir que o jogador pudesse tocá-la com os muitos botões do Nintendo 64. Depois de Ocarina of Time, inúmeros outros títulos da franquia incorporaram a ideia, como The Wind Waker, Skyward Sword e na continuação do game no N64, já que em Majora’s Mask todas as principais transformações de Link possuem seus próprios instrumentos.
A hoje inseparável companheira de viagem de Link, a égua Epona, fez sua primeira aparição na franquia em Ocarina of Time. A ideia inicial era usar algum item como forma de transporte para Link – o que acabou acontecendo com as canções que teletransportam o herói para inúmeros locais de Hyrule – mas a paixão por cavalos de Miyamoto falou mais alto. Junte isso ao fato de praticamente não haver games que permitissem ao jogador andar de cavalo naquela época e temos mais uma inovação que ficaria marcada na história dos games. Além, é claro, de criar mais um icônico personagem para a série.
Ocarina of Time também marcou a estreia das viagens no tempo – que foram utilizadas, mesmo que de formas diferentes, em títulos futuros – onde as ações e interações do jovem Link afetam e modificam o mundo de sua versão sete anos mais velha. Um ótimo exemplo disso é o Spirit Templeque deve ser explorado em ambos períodos de tempo para que se consiga chegar até o final.
O começo de uma longa jornada
A trama de Ocarina of Time põe em cena mais uma vez o icônico vilão da franquia, Ganondorf(Ganon), rei de uma raça de ladrões do deserto chamada Gerudo, que dessa vez pretende entrar no Sacred Realm, morada de um artefato que torna realidade os desejos de quem o possuir, o Triforce. Para isso, Ganondorf precisa obter três pedras sagradas que abrem o caminho até o artefato e além delas, a Ocarina of Time, tesouro da família real de Hyrule.
Nesta reencarnação do herói, Link é um kokiri, raça de espíritos da floresta, e único entre o seu povo que não possuía uma fada protetora. Mas a mudança brusca de rumo que o enredo traria para sua vida, mudaria isso e muito mais, inclusive sua origem kokiri, mas isso é assunto para outro dia.
Uma das pedras, a Kokiri’s Emerald, é protegida pela Great Deku Tree, árvore protetora dos kokiris. Ao se recusar a entregá-la a Ganondorf, a grande árvore é amaldiçoada pelo gerudo, pedindo ajuda a Link e a Navi, que passa a ser a fada protetora do herói.
Mesmo com a ajuda de Link, a honrada árvore sucumbe ao mal que lhe foi infligido. Mas antes de dar seus últimos suspiros, entrega a esmeralda a ele e pede que o garoto vá até o Castelo de Hyruleencontrar a princesa Zelda e avisar-lhe do perigo iminente, colocando Link no início de seu caminho para se tornar o Herói do Tempo.
Assim começa a epopeia do herói orelhudo em Ocarina of Time, que o levaria aos mais inóspitos cantos de Hyrule em sua busca pelas outras pedras e que culminaria com o garoto puxando a lendária Master Sword de seu pedestal, transformando sua vida para sempre.
A trama do game ainda envolve viagens no tempo, uma versão mais velha de Link e ao reencontro com velhos conhecidos de sua infância, que agora desempenham um papel chave como sábios e guardiões do caminho que leva ao Sacred Realm e ao Triforce em uma corrida contra o tempo para salvar uma definhante Hyrule que está sob os domínios de Ganondorf.
A importância para a franquia
O final de Ocarina of Time é um dos mais ricos pois divide a timeline da série em três caminhos distintos:
A Child Timeline, como é conhecida a linha do tempo em que Link volta a ser criança no final do game, implica que o caminho até o Sacred Realm nunca foi aberto e Zelda e Link lidam com a ameaça de Ganondorf de forma diferente. Nessa timeline temos Majora’s Mask, Twilight Princess e Four Swords Adventures.
A timeline onde Link é adulto – Adult Timeline – é dividida em duas. Em uma ele consegue derrotar Ganondorf, em outra ele é derrotado pelo vilão.
Derrotado, Ganon é aprisionado no Sacred Realm e após muito tempo consegue se libertar e não há nenhum herói para confrontá-lo, fazendo com que os deuses inundem Hyrule para impedir sua ameaça. O que nos leva aos games The Wind Waker, The Phantom Hourglass e Spirit Tracks.
Ao falhar em sua tentativa de derrotar Ganondorf, o vilão se apodera das outras partes do Triforce e se transforma no Demon King. Em um último esforço para combater o mal, os sábios conseguem aprisioná-lo no Sacred Realm. Enquanto Hyrule vivia dias de paz, Ganon transformou o Sacred Realm no Dark World de A Link to the Past, dando sequência à essa timeline que é seguida por Link’s Awakening, Oracle of Seasons e Oracle of Ages, A Link Between Worlds, Tri-Force Heroes, The Legend of Zelda (o primeirão) e por último, The Adventure of Link.
Prodígio audiovisual
A ideia inicial para Ocarina of Time é que ele seria inspirado em algo muito tradicional no Japão: um estilo comum em filmes e teatros japoneses que envolve batalhas de sabre que lá é chamado de chambara. Logo, técnicas de captura de movimento resultaram em um produto final com aproximadamente 500 animações, contando todos os personagens do jogo.
Com tanto foco no combate, a equipe chegou a cogitar o uso da câmera em primeira pessoa para que os desenvolvedores priorizassem os inimigos e os ricos cenários do game. Mas assim que a ideia de existir duas versões de Link – uma criança e outra adolescente – surgiu, essa ideia do jogo se passar em primeira pessoa caiu por terra para que existisse distinção visual do herói. Além de que, segundo o próprio Miyamoto, o visual de Link estava muito bom para não ser mostrado, resultando na visão em terceira pessoa que acompanhou o cartucho até o seu lançamento.
E por falar em cartucho, para conseguir o efeito cinematográfico que Miyamoto tanto queria, as cutscenes de Ocarina of Time tiveram que ser construídas em tempo real, sem cenas pré-renderizadas. Com mais de 90 minutos de sequências, mesmo que o jogo fosse lançado em CD-ROM, traria um problema de espaço caso todo esse conteúdo fosse pré-renderizado.
O motor gráfico do jogo é o mesmo de Super Mario 64, que após sofrer inúmeras modificações para se adequar às necessidades de desenvolvimento, pode ser considerado um produto totalmente diferente. O resultado de tantos ajustes e melhorias é a incontestável riqueza visual de Ocarina of Time na época de seu lançamento, deixando o game do bigodudo comendo poeira nesse quesito, mesmo ambos tendo partido da mesma origem e por boa parte do tempo, terem sido desenvolvidos simultaneamente.
Outro aspecto de sucesso é a trilha sonora composta por Koji Kondo, figura carimbada da Nintendo, tendo em seu currículo jogos como Super Mario World, Star Foxe títulos anteriores da franquia, como o primeiro The Legend of Zelda de 1986 e A Link to the Past de 1991.
Em Ocarina of Time, Kondo continua a sua carreira de sucesso como compositor de games e adiciona mais algumas trilhas incríveis ao seu vasto currículo de sucesso, além de mostrar toda sua versatilidade para compor os temas tocado por Link em sua ocarina.
Hyrule, uma terra vasta em locais e lembranças
A primeira vez a gente nunca esquece. Essa frase clichê serve para inúmeros momentos de nossa vida, inclusive quando estamos jogando videogames. Depois de 20 anos desde o contato inicial com Ocarina of Time, acredito que muitos ainda vão se lembrar com detalhes de vários lugares desse mundo cheio de aventuras e momentos inesquecíveis.
A inexorável sensação de aventura ao sair de sua terra natal, Kokiri Forest, pela primeira vez, passando pelo excelente mini game de pescaria às margens do Lake Hylia até o pico mais alto de todo o game, a Death Mountain e todos seus perigos. Tudo está ali, como uma carta de amor a todo bom fã de mundos cheios de fantasia e segredos a serem revelados.
Ocarina of time foi um dos primeiros games a nos presentear com um mundo fantástico, totalmente tridimensional, onde a sensação de liberdade era palpável. O que fazer dependia única e exclusivamente da vontade do jogador. Ora explorando um buraco recém descoberto no chão, ora dando continuidade à história principal.
Hoje em dia já vimos essa mesma fórmula, melhorada, maximizada e modificada inúmeras vezes, dentro e fora da franquia. O mundo aberto de Breath of the Wild, Red Dead Redemption II ou Monster Hunter World são bons exemplos disso. Mas a primeira vez a gente nunca esquece. Só para lembrar, o primeiro GTA em 3D que a Rockstar desenvolveu, GTA 3, só viria a ser lançado três anos depois de Ocarina of Time, em 2001.
Uma história atemporal sobre viagens no tempo
O pioneirismo que The Legend of Zelda: Ocarina of Time teve para a indústria é inegável e só não dá o braço a torcer quem não quer. Os gráficos de primeira (para a época), o detalhado mundo de Hyrule e o combate preciso e inovador fizeram com que o game rapidamente caísse na graça da mídia especializada e do público, além é claro, de ter sido um sucesso comercial.
Duas décadas depois de seu lançamento e com algumas versões relançadas, como a excelente entrada para Nintendo 3DS, Ocarina of Time ainda conquista jogadores mundo afora e é jogado e lembrado com carinho por inúmeros outros, que acompanham sua história desde o contato inicial.
E por essas peças que a vida gosta de nos pregar, justamente um jogo que trata de viagens no tempo e suas consequências acabou transformando o tempo em algo irrelevante perante a sua importância e atemporalidade no competitivo mundo dos videogames.
The Legend of Zelda: Ocarina of Time e o início de uma vasta narrativa
Não há absolutamente qualquer elogio que possa ser atribuído a Ocarina of Time que já não tenha sido mencionado anteriormente. O Nintendo 64 elevou Zelda a patamares jamais alcançados até então ─ com seus consoles de 8 e 16 bits ─, estabelecendo-se como o jogo mais vendido da franquia.
Analisando mais precisamente as características dos jogos anteriores do jovem Link em suas aventuras pela não-tão-conhecida Hyrule, podemos sentir uma certa diferença na abordagem das mecânicas centrais que podem ter passado despercebidas, pelos jogadores mais distraídos, ou que tenham virado objeto de críticas severas pelos fãs mais antigos do pequeno Hylian. Estamos falando do estabelecimento de uma narrativa vasta em torno da exploração do mundo, que era fracamente abordada até o quarto jogo da franquia (The Legend of Zelda: Link’s Awakening) por uma série de impedimentos relacionados ao design dos jogos.
Veremos a seguir as mudanças que The Legend of Zelda: Ocarina of Time trouxe para contribuir com a vasta (e confusa) história de Link, Ganon e a princesa que dá nome à esta obra de arte.
O Link ao Passado
Há um conceito apontado por Clint Hocking, ex-diretor criativo da LucasArts e Ubisoft, em 2007 em seu blog que se chama Dissonância Ludonarrativa. Basicamente, isso ocorre quando a narrativa e as mecânicas do jogo não conversam entre si. Para ficar mais claro, tomemos Final Fantasy VII como exemplo, em que, ao final do segundo disco, é anunciado que o mundo está prestes a ser destruído e você pode gastar horas criando chocobos para ter acesso à summon Knights of Round ou até mesmo jogar basquete na Gold Saucer quando o mais sensato a se fazer é correr contra o tempo para evitar que toda a raça humana seja extinta.
Veremos a seguir a mudança que The Legend of Zelda: Ocarina of Time trouxe para fixar a vasta (e confusa) história de Link, Ganon e a princesa que dá nome à esta obra de arte.
Podemos dizer que existem dois extremos entre jogadores quando se trata desse conceito: os defensores das mecânicas e os das narrativas (vale lembrar que estes são grupos extremos e nem todos os jogadores se encaixam neles). Antigamente, na época dos 8 bits, pouco se falava sobre narrativas em games, o que coloca automaticamente os jogadores dentro do primeiro grupo. Até mesmo o espaço limitado nos cartuchos favorecia esse “foco” na mecânica e apenas uma ou outra linha de história ─ quando havia alguma ─ presente no manual.
Em 1986, The Legend of Zelda deu aos jogadores uma incrível experiência em um mundo aberto. Era possível andar por terras desconhecidas, desbravar masmorras, enfrentar todos os tipos de inimigos, coletar diferentes tesouros, encontrar cavernas escondidas e tantas outras ações que outros gêneros não forneciam. Para aquele gamer que adquirisse o cobiçado cartucho, horas e mais horas de aventura estavam garantidas. A encarnação do personagem e o sentimento de participar de uma jornada como o herói trazia uma sensação única e prazerosa. (Poderíamos trazer à tona, neste momento, a famosa discussão sobre Zelda ser ou não ser um RPG, mas não o faremos.)
E quanto ao aspecto narrativo de The Legend of Zelda? Bom… Você ficou sabendo que tem uma princesa lá em algum lugar, e que você tem que coletar “uns negócios triangulares que formam um triângulo grande”, que tem de impedir os planos de um cara qualquer com “cara de porco”, que você é um… Sei lá… Uma espécie de elfo que ganhou uma espada de uma cara barbudo numa caverna. Tudo contado em meia dúzia de linhas e sem qualquer apego sentimental do jogador sobre o que se passa no momento.
De certa forma, a harmonia ludonarrativa, mesmo que ainda não definida teoricamente naquela época entre os desenvolvedores, está totalmente presente nos aspectos do jogo. Antigamente, principalmente com gráficos pixelados em 2D e visão isométrica, ninguém se impressionava ao ver os elementos do cenário, e a história por trás do mundo simplesmente não importava tanto para a maioria dos jogadores. Abrir um baú e encontrar uma espada rara era uma ação que se fosse realizada em mais de alguns milissegundos poderia tornar a aventura um tanto tediosa. O jogador queria mesmo era sair espetando a espada em algum bicho solto por aí.
Nos anos seguintes, mesmo com a criação de uma pequenina e ainda confusa história para tentar conectar os jogos que vieram em sequência, a fórmula de apresentar poucos mitos sobre a terra explorada e um alto nível de desbravamento de Hyrule continuaram a ser a receita principal da franquia. (Será que podemos esquecer por um momento que Zelda II: The Adventure of Link existe? Os caras quase arruinaram duas ótimas franquias no mesmo ano com a mesma receita errada! Sim, refiro-me a Castlevania II: Simon’s Quest.)
Eis que, em 1998, uma nova experiência surge.
Uma nova forma de explorar o mundo
A quinta geração de consoles trouxe uma mudança relativamente simples mas que reinventou o modo de explorar o mundo: os polígonos. Embora alguns jogos os utilizassem durante a quarta geração, as possibilidades eram muito limitadas. Qual é o nível de exploração de cenário que pode ser realizado em jogos como Star Fox ou Hard Drivin’? Zero!
Formas criadas em três dimensões agora apresentavam um novo “eixo cartesiano” a ser observado. O simples ato de contemplar um personagem poderia se tornar algo interessante, pois diferentes ângulos poderiam revelar várias características do seu herói favorito que meia dúzia de sprites deixariam apenas a cargo da imaginação.
Após o lançamento de Super Mario 64, a possibilidade de trazer a franquia Zelda para esse novo mundo poligonal mexeu com a ansiedade dos fãs ─ e com certeza não desapontou a maioria deles. Em 21 de novembro de 1998, Hyrule transformou-se em um belíssimo, colorido e vasto campo de exploração em três dimensões para milhões de crianças ao redor do mundo. A simples possibilidade de focar a câmera em diferentes posições, olhar para qualquer lado e ver animações dignas de qualquer filme de Hollywood (pelo menos na imaginação de uma criança) mudaram totalmente a forma como os pequenos exploradores se sentiam nesta enigmática terra fantasiosa.
Com todos esses poderes concentrados na observação de um cenário vasto, outra característica apareceu para se tornar um dos pilares da atenção do jogador a partir deste ponto: o apego sentimental à narrativa. Um simples enfoque da câmera no rosto de Saria na cena que Link abandona a floresta de Kokiri é o suficiente para deixar qualquer jogador com o coração na mão. Cenas como a visão em primeira pessoa de Zelda fugindo com Impa em seu cavalo, Ganon tocando órgão antes da batalha final, a panorâmica resultante da “carona de coruja” após a quest na Dodongo’s Cavern ou até mesmo a simples animação do pequeno Link se debruçando sobre um gigantesco baú trazem emoção à aventura.
Com essas novas características, infelizmente vem um preço a se pagar. The Legend of Zelda: Ocarina of Time tornou-se um jogo mais lento no quesito exploração. Não que seja uma característica ruim, pois permitiu que longos diálogos, histórias contadas pelos próprios personagens e uma vasta narrativa fossem estabelecidos para colocar em ordem toda a bagunça deixada pela ausência narrativa dos jogos anteriores.
E é exatamente aqui que Zelda deixa de ser apenas um jogo de exploração para fixar-se como uma das maiores e mais famosas narrativas no mundo dos games. O amor pela princesa que detém o Triforce da Sabedoria, a honra de ser o Hylian destinado a salvar Hyrule das mãos de Ganondorf, a hesitação ao abandonar Saria em Kokiri Forest ─ que é tida como uma grande amiga de Link no jogo, mas com quem você mal teve tempo de interagir ─ e tantas outras cenas durante as horas de jogatina são capazes de despertar uma vasta gama de emoções nunca vistas em mais de dez anos desde o aparecimento de Link.
O sacrifício valeu a pena?
Embora seja um fã incondicional de boas narrativas em jogos, não seremos parciais neste momento. Há de se apontar uma grande falha que precisou ser melhor trabalhada na linha do tempo da franquia Zelda. Se você é um fã, deve saber que a cronologia dos jogos simplesmente não bate se considerarmos uma única dimensão espaço-temporal. Precisou-se de um trabalho em conjunto com as teorias e ideias dos fãs para chegar-se a uma solução, na qual a divisão espaço-temporal de Hyrule recebeu três distintos caminhos com diferentes “Links” e “Zeldas” espalhados pela história. Com dezenas de jogos no mercado, mapear toda a narrativa e encaixar as peças desse quebra-cabeças não é nada fácil.
Observe como a cronologia foi apontada no livro Hyrule Historia:
Além disso, alguns fãs, como observado no início do texto, ficaram desapontados com a inserção de tantos elementos narrativos em um mundo criado, primariamente, para suprir as necessidades de uma classe de jogadores sedentos por RPGs, mesmo que este comportamento tenha aparecido para “linkar” o que temos de mais belo no mundo de Hyrule com o apego emocional do humano em posse do joystick.
Um Heart Container de Ocarina of Time
Embora haja discussões sobre a plausível transição de foco da franquia a partir da quinta geração de consoles, The Legend of Zelda: Ocarina of Time é, indiscutivelmente, um título que está marcado na história e no coração de muitos jogadores.
Seja na delimitação do início de uma vasta narrativa, seja no aparecimento de cenas cinematográficas capazes de transmitir emoção ou até mesmo na nova forma de explorar o mundo, essa aventura possui um espaço reservado no cerne de cada jogador que tenha acompanhado o pequeno e jovem Link em sua primeira aventura tridimensional.
Lon Lon Ranch
Aliás, no rancho vivem Talon e Ingo, personagens inspirados em Mario e Luigi, respectivamente.
Os primeiros capítulos de uma lenda
Uma das primeiras revistas a chegar às bancas com Ocarina of Time na capa foi a Ação Games. Na edição nº 134, de dezembro de 1998, o periódico trazia uma ilustração original de Link e a sua Master Sword, assinada por Alexandre Jubran — quadrinista brasileiro que trabalhou em HQs da Marvel, como o Demolidor—, e contava com chamadas que já deixavam claro que o jogo não era como a maioria. No pé da capa estava escrito: “Zelda 64 – Saiba por que este pode ser um dos melhores games de todos os tempos.”
Depois de ler chamadas tão fortes, aposto que a maioria dos leitores folheou rapidamente a revista até a página 20, onde começa o texto intitulado “Zelda 64: uma revolução em fantasia”. Nas palavras da equipe da Ação Games, “criado por Shigeru Miyamoto, pai do Super Mario, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, ou Zelda 64, tem tudo para ser um dos melhores de todos os tempos trazendo um novo jeito de jogar videogame”.
O que primeiro chamou a atenção da Ação Games foi a grandiosidade do jogo. Tudo parecia gigante e cheio de possibilidades. E, “para fazer tudo isso, gastou-se uma memória de 256 Megabits (ou 32 Megabytes) de memória, a maior num cartucho da Nintendo, com sons e gráficos caprichadíssimos”. Quem leu as revistas da época sabe da importância que o tamanho dos cartuchos tinha. E, no caso de Zelda, ele já se tornava um atrativo simplesmente por ser o maior do console. Bons tempos, não é?
A matéria da Ação Games cuidou em situar o leitor sobre o jogo e até a franquia em si. Tem um box explicando a origem da série no NES e outro com uma breve descrição da trama. Para completar, e manter a tradição da revista, várias imagens são espalhadas pelas páginas, com breves legendas contando um pouco mais sobre o jogo, como descrição de armas e itens, por exemplo.
Por fim, a Ação Games fez questão de mostrar que o “Zelda 64” representava um novo e grande salto na produção de jogos, com destaque para a movimentação realista dos personagens, a forma como o clima mudava dentro da jornada e os ângulos de visão que são “como no cinema ou TV”.
A perfeição
Dezembro foi mesmo o ano de Ocarina of Time nas revistas. Na edição nº 36 da revista Gamers, Link apareceu em uma ilustração original tocando a sua ocarina, seguido da chamada nada discreta: “A criação máxima de Shigero Miyamoto faz jus ao nome que carrega e consagra-se como o maior jogo da história”.
Como já era de se esperar, a Gamers fez um texto completo sobre Ocarina of Time, com direito a explicação sobre a origem da série e uma análise detalhada dos principais aspectos do jogo (incluindo informações sobre a produção). Tudo isso com aquela boa e velha fonte minúscula para que coubesse a maior quantidade de informação que se tinha disponível, já que se tratava da “maior e melhor versão de Zelda já criada”. Mas, não era só isso. Segunda a Gamers, Ocarina of Time “é o maior e melhor jogo já criado para qualquer sistema até hoje”.
Eu poderia transcrever todas as páginas da Gamers aqui, tamanha a quantidade e a qualidade de informações sobre The Legendo of Zelda: Ocarina of Time. A redação explica e analisa o enredo, a jornada, as formas de exploração, a jogabilidade, o sistema de jogo, os gráficos, o som… Tudo, tudo mesmo! Vale a pena parar alguns minutos só para reler essa edição.
Por fim, no tradicional quadrinho de review, a Gamers deu nota máxima para o jogo (5.0), destacando como ponto positivo que Ocarina of Time é “um dos jogos mais bem produzidos da história, com uma riqueza de detalhes incrível e uma montagem concisa e inteligente, fazendo do conjunto um excelente exemplo de perfeição”.
Sobre as falhas do jogo, a mesma revista conclui: “nada, niente, nothing, nulla, nichts, rien, kaimu”. Ah, e tem mais, segundo a edição, “um contra é que você provavelmente vai deixar de namorar, dar um rolé, trabalhar, praticar esportes, ir à escola e outras coisas só para jogar.”
A chave de ouro da Nintendo
Encerrando a trilogia de capas nas grandes revistas da época, Ocarina of Time foi o grande destaque da Super GamePower nº 58, de janeiro de 1999. Além de trazer um calendário da Marjorie Bros, a edição foi lançada com uma ilustração original e a chamada: “A obra-prima chegou!”
Um pouco atrasada em relação às concorrentes, a Super GamePower não se aprofundou muito no jogo, mas trouxe diversas imagens e muitas dicas e manhas para o leitor começar a aventura. No review, assinado pelo personagem Marcelo Kamikaze, a edição foi direto ao ponto, dizendo que Zelda é “o jogo do ano!”, justificando que “os gráficos possuem um incrível detalhamento”, as animações e cenas são “de cinema, renderizadas em tempo real, dando pau em muita apresentação de CD”, e que o jogo possui uma “aventura enorme e uma infinidade de extras para fazer”.
Para finalizar, Kamikaze atribuiu nota máxima (5) e disse que a “Nintendo está jogando pesado para concorrer com o Dreamcast e o P.Station”. Como bem sabemos, a luta entre essas gigantes do entretenimento foi acirrada, o que resultou na produção de grandes títulos, entre eles, claro, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, um game que os donos de Nintendo 64 se orgulhavam de ter na biblioteca e que nenhuma das concorrentes conseguiu replicar com a mesma qualidade.
20 anos de história
The Legend of Zelda: Ocarina of Time realmente fez história. Desde o momento em que chegou às lojas, e foi analisado por especialistas, os jogadores desligaram-se de suas vidas para encarar a jornada do herói, que trouxe inovação, qualidade técnica e muita diversão para os donos de Nintendo 64 há 20 anos.
Certamente, trata-se de um jogo único, sem precedentes, que não precisou de mais do que dias para escrever seu nome no hall dos melhores jogos eletrônicos da história. Isso sim é uma lenda de verdade!
Fonte: Jogo Véio 01 e Jogo Véio 02 e Jogo Véio 03
Última edição por Sonymaster em Dom 06 Jan 2019, 12:50, editado 1 vez(es)