Não Bastou escapar do inferno - Os fugitivos da Coreia do norte
Poucos lugares no mundo reúnem almas tão desafortunadas quanto o centro Hanawon, em Seul, de apoio a refugiados da Coreia do Norte. Ser um dos seus 400 moradores significa ter crescido sob um dos mais brutais regimes do planeta, passado boa parte da vida na escuridão, visto ao menos um parente próximo morrer de fome e nunca ter lido um único texto não produzido pela propaganda oficial do governo.
Significa ainda ter crescido aterrorizado com a possibilidade de ser mandado para um gulag por ter, por exemplo, deixado de usar o tratamento honorífico obrigatório para se referir a um dos membros da dinastia Kim — Kim il-sung é o Sol da Humanidade; Kim Jong-il é o Querido Líder; e Kim Jong-un, neto e filho dos Kim anteriores, é o Supremo Líder.
Quem está em Hanawon arriscou-se a levar uma bala nas costas na tentativa de alcançar a China, conseguiu atravessar aquele país sem ser mandado de volta à Coreia do Norte pela polícia local e pôde chegar a uma nação não comunista que teve a caridade de enviá-lo para Seul.
Para recomeçarem a vida em liberdade, os moradores de Hanawon venceram todos esses obstáculos. Mas vão descobrir em breve que, para quem teve o infortúnio de nascer sob a tirania dos Kim, até ser livre tem um preço.
Nas aulas de história e política ministradas em Hanawon, ligado ao ministério da Unificação da Coreia do Sul, novas surpresas aguardam os recém chegados: eles são informados, por exemplo, de que a guerra entre as Coreias começou com uma invasão perpetrada pelo norte — e não o contrário, como aprenderam. E que a Coreia do Norte não é o “Paraíso dos Trabalhadores” nem “a segunda nação mais feliz do mundo” (a primeira é a China, segundo o governo de Pyongyang), mas, sim, um dos mais miseráveis e atrasados países do planeta. “São informações que provocam nervosismo e desconforto nos alunos”, afirma o diretor Seung. “Mas há algo mais difícil para eles do que absorver informações políticas, que é entender as regras de mercado”, diz.
Na Coreia do Norte, bem ou mal, o estado é o provedor, e a sociedade, ao menos em tese, é igualitária. Assim, os norte-coreanos não compreendem porque o fato de eles viverem agora na Coreia do Sul não significa, automaticamente, que terão um emprego, uma casa e um carro, como os sul-coreanos que eles veem em Seul. “Eles acham que estão sendo discriminados. Não têm a menor noção de conceitos como esforço, competição e meritocracia”, diz Seung.
Quando, ao final, entendem que o estado não vai cuidar deles para sempre e que é preciso ir à luta para conseguir o que se deseja, deparam — de novo —com as diferenças.
Na Coreia do Sul, 82% dos jovens chegam à universidade. Já entre os 23 000 norte-coreanos que vivem lá, essa porcentagem não passa de 5%. E, mesmo assim, poucos desses alunos conseguirão se formar. “A maioria desiste”, afirma Dong Ju Yun, diretor da Wooridul, uma escola de reforço para estudantes norte-coreanos sustentada por ONGs e administrada por professores voluntários. “Eles percebem que nunca alcançarão a performance dos colegas”, diz. Ao medirem a distância entre os seus sonhos e a capacidade de torná-los realidade, acabam se juntando aos demais — empregados em supermercados, fábricas e restaurantes.
A norte-coreana Joo Young Lee (o nome, chinês, é falso) trabalha como garçonete em um restaurante em Seul. Antes de fugir para a Coreia do Sul, tudo o que sabia sobre o país provinha de duas fontes: a propaganda oficial norte-coreana e o filme Minha Mulher é uma Gângster, policial sul-coreano que ela havia visto dezenas de vezes escondido. “Sonhava em aprender a lutar e a atirar para vir morar em Seul. Só tinha esse filme para assistir, então achava que todos aqui eram gângsteres”, diz.
Perfeita beldade coreana —de traços delicados, olhos grandes, pele alva, lábios rechonchudos e vermelhos—, Joo terminou há oito meses a quarentena em Hanawon. Na presença da antiga tutora, recita sorridente o mantra dos convertidos: diz estar feliz por viver numa sociedade livre, sente-se bem tratada e quer aproveitar todas as oportunidades que o governo sul-coreano lhe oferece.
Poucos lugares no mundo reúnem almas tão desafortunadas quanto o centro Hanawon, em Seul, de apoio a refugiados da Coreia do Norte. Ser um dos seus 400 moradores significa ter crescido sob um dos mais brutais regimes do planeta, passado boa parte da vida na escuridão, visto ao menos um parente próximo morrer de fome e nunca ter lido um único texto não produzido pela propaganda oficial do governo.
Significa ainda ter crescido aterrorizado com a possibilidade de ser mandado para um gulag por ter, por exemplo, deixado de usar o tratamento honorífico obrigatório para se referir a um dos membros da dinastia Kim — Kim il-sung é o Sol da Humanidade; Kim Jong-il é o Querido Líder; e Kim Jong-un, neto e filho dos Kim anteriores, é o Supremo Líder.
Quem está em Hanawon arriscou-se a levar uma bala nas costas na tentativa de alcançar a China, conseguiu atravessar aquele país sem ser mandado de volta à Coreia do Norte pela polícia local e pôde chegar a uma nação não comunista que teve a caridade de enviá-lo para Seul.
Para recomeçarem a vida em liberdade, os moradores de Hanawon venceram todos esses obstáculos. Mas vão descobrir em breve que, para quem teve o infortúnio de nascer sob a tirania dos Kim, até ser livre tem um preço.
Anos de uma dieta famélica fizeram com que os norte-coreanos ficassem em média 11 centímetros mais baixos e 10 quilos mais magros do que os capitalistas do sul. Mas as diferenças físicas são menores do que o abismo cultural a separar hoje os povos que até 1945 eram um só. Na década de 90, com a ruína da União Soviética e o fim da mesada mandada pelos camaradas, o sistema educacional da Coreia do Norte se desmantelou, ao mesmo tempo em que se deteriorou o sistema estatal de saúde e distribuição de comida.
Hoje, na maior parte das cidades norte-coreanas, uma criança em idade de cursar o fundamental tem sorte se conseguir ir à escola algumas vezes por ano (a exceção é Pyongyang, a capital e vitrine do país, onde só se mora com a permissão do regime). Enquanto isso, um aluno da ultra competitiva Coreia do Sul estuda em média sete horas por dia e está matriculado em pelo menos mais dois cursos extracurriculares.
A Coreia do Sul ocupa o primeiro lugar no ranking de consumo per capita de aço do mundo — mais de 1 tonelada por habitante. Já no depauperado norte, até a energia elétrica é um luxo, o que obriga as famílias que não moram em Pyongyang a ir dormir assim que o sol se põe, igualzinho na idade média.
Hanawon funciona como uma espécie de câmara de descompressão, na qual o refugiado do norte vai aos poucos sendo exposto à nova realidade. A uma hora de Seul, o centro fica isolado em uma região rural parcamente habitada. É guardado por seguranças e não pode ter seu endereço divulgado. As precauções visam a dificultar a ação de espiões norte-coreanos infiltrados na Coreia do Sul para localizar dissidentes importantes para o regime.
Os próprios hóspedes de Hanawon, antes de dar entrada lá, têm de passar por uma investigação conduzida pelo Serviço Nacional de inteligência (NiS, na sigla em inglês) para comprovar que não são espiões a serviço de Kim Jong-un. Checados, começam a fase de “reeducação”, que dura três meses. Nesse período, aprendem, entre outras coisas, a andar em escadas rolantes, fazer compras, usar cartão de crédito, caixa eletrônico e forno de cozinha.
Para quem acabou de chegar de marte, tudo é novidade. Mas nada se compara ao choque dos norte-coreanos ao visitar Seul, conta Jung Hun Seung, diretor do Hanawon. Em grupo, já que não podem circular sozinhos, eles são apresentados à capital do país ao qual já pertenceram, com seus milhares de carros cruzando as avenidas, as quase três dezenas de pontes que reluzem sobre o Rio Han, os infinitos arranha-céus e shopping centers que exibem nas vitrines coisas que eles nunca viram na vida.
Ao olharem os seus iguais andando pelas ruas de patins, de boné, de mãos dadas, escutando nos fones de ouvido as músicas que escolheram escutar, morando nos lugares onde escolheram morar, os norte-coreanos enxergam o que poderiam ter sido. “Alguns ficam duas noites sem dormir depois de voltar da excursão”, diz Seung.
Nas aulas de história e política ministradas em Hanawon, ligado ao ministério da Unificação da Coreia do Sul, novas surpresas aguardam os recém chegados: eles são informados, por exemplo, de que a guerra entre as Coreias começou com uma invasão perpetrada pelo norte — e não o contrário, como aprenderam. E que a Coreia do Norte não é o “Paraíso dos Trabalhadores” nem “a segunda nação mais feliz do mundo” (a primeira é a China, segundo o governo de Pyongyang), mas, sim, um dos mais miseráveis e atrasados países do planeta. “São informações que provocam nervosismo e desconforto nos alunos”, afirma o diretor Seung. “Mas há algo mais difícil para eles do que absorver informações políticas, que é entender as regras de mercado”, diz.
Na Coreia do Norte, bem ou mal, o estado é o provedor, e a sociedade, ao menos em tese, é igualitária. Assim, os norte-coreanos não compreendem porque o fato de eles viverem agora na Coreia do Sul não significa, automaticamente, que terão um emprego, uma casa e um carro, como os sul-coreanos que eles veem em Seul. “Eles acham que estão sendo discriminados. Não têm a menor noção de conceitos como esforço, competição e meritocracia”, diz Seung.
Quando, ao final, entendem que o estado não vai cuidar deles para sempre e que é preciso ir à luta para conseguir o que se deseja, deparam — de novo —com as diferenças.
Na Coreia do Sul, 82% dos jovens chegam à universidade. Já entre os 23 000 norte-coreanos que vivem lá, essa porcentagem não passa de 5%. E, mesmo assim, poucos desses alunos conseguirão se formar. “A maioria desiste”, afirma Dong Ju Yun, diretor da Wooridul, uma escola de reforço para estudantes norte-coreanos sustentada por ONGs e administrada por professores voluntários. “Eles percebem que nunca alcançarão a performance dos colegas”, diz. Ao medirem a distância entre os seus sonhos e a capacidade de torná-los realidade, acabam se juntando aos demais — empregados em supermercados, fábricas e restaurantes.
A norte-coreana Joo Young Lee (o nome, chinês, é falso) trabalha como garçonete em um restaurante em Seul. Antes de fugir para a Coreia do Sul, tudo o que sabia sobre o país provinha de duas fontes: a propaganda oficial norte-coreana e o filme Minha Mulher é uma Gângster, policial sul-coreano que ela havia visto dezenas de vezes escondido. “Sonhava em aprender a lutar e a atirar para vir morar em Seul. Só tinha esse filme para assistir, então achava que todos aqui eram gângsteres”, diz.
Perfeita beldade coreana —de traços delicados, olhos grandes, pele alva, lábios rechonchudos e vermelhos—, Joo terminou há oito meses a quarentena em Hanawon. Na presença da antiga tutora, recita sorridente o mantra dos convertidos: diz estar feliz por viver numa sociedade livre, sente-se bem tratada e quer aproveitar todas as oportunidades que o governo sul-coreano lhe oferece.
Ela se preparou para ser fotografada para a reportagem, como mostram sua maquiagem e produção caprichada. Os refugiados norte-coreanos não podem ter o rosto identificado em fotos, segundo as regras de segurança a que estão sujeitos.
Mas, na hora de posar para o retrato, Joo pergunta se pode esconder também os pés. Explica em voz baixa: teme que o namorado a reconheça pelos sapatos. Ela mentiu que é sul-coreana e receia que ele, lendo a reportagem, descubra a verdade e a abandone (ela aceitou esconder apenas o rosto depois de saber que a matéria não seria publicada na Coreia do Sul).
Aos olhos da Ásia rica, os norte-coreanos não são apenas cidadãos de segunda categoria. A bizarria do regime dos Kim transformou-os em seres exóticos como um panda azul. Na cidade chinesa de Dandong, separada da cidade norte-coreana de Sinuiju pelo Rio Yalu, prospera um novo filão turístico: “aviste a Coreia do Norte e fale com um norte-coreano”, diz a placa na entrada do porto improvisado.
Mas, na hora de posar para o retrato, Joo pergunta se pode esconder também os pés. Explica em voz baixa: teme que o namorado a reconheça pelos sapatos. Ela mentiu que é sul-coreana e receia que ele, lendo a reportagem, descubra a verdade e a abandone (ela aceitou esconder apenas o rosto depois de saber que a matéria não seria publicada na Coreia do Sul).
Aos olhos da Ásia rica, os norte-coreanos não são apenas cidadãos de segunda categoria. A bizarria do regime dos Kim transformou-os em seres exóticos como um panda azul. Na cidade chinesa de Dandong, separada da cidade norte-coreana de Sinuiju pelo Rio Yalu, prospera um novo filão turístico: “aviste a Coreia do Norte e fale com um norte-coreano”, diz a placa na entrada do porto improvisado.
Meia dúzia de lanchas aguardam a chegada de fregueses em frente a um quiosque que aluga binóculos e oferece suvenires com fotos de Kim il-sung. Biscoitos, pães e pacotes de salsicha também estão à venda, mas não se destinam ao consumo dos turistas. A vendedora explica: “Você pode atirar para eles do barco. Eles têm fome e são muito pobres. Não conhecem nenhum desses produtos”. Por 100 iuanes por pessoa (16 dólares), turistas embarcam nas lanchas em grupos de seis.
O piloto diminui a velocidade diante de soldados norte-coreanos que fazem a patrulha da fronteira e avisa que militares não podem ser fotografados. mais à frente, para diante de uma criança que acena para o barco. Arranca gritos excitados dos chineses ao atirar na sua direção os pacotes de salsicha comprados no quiosque. O menino pega o embrulho e sai em disparada. “Ele está correndo porque tem medo de que o soldado roube o pacote dele”, explica o condutor.
Tanto a Coreia do Norte quanto a do Sul dizem querer a unificação dos países. Para a do Norte, o motivo está ligado, como sempre, à propaganda. Entre as fantasias disseminadas pelo regime, está a de que uma parcela crescente de sul-coreanos sonha em se juntar ao norte para desfrutar a felicidade de viver no Paraíso dos Trabalhadores e só não o faz por causa da implacável repressão do governo de Seul, fantoche do arqui-inimigo americano.
Já na Coreia do Sul, a unificação é componente de um ideário nacionalista compartilhado tanto pela esquerda quanto pela direita, embora com sinceridade cada vez menor da parte de ambas.
Mais de 65 anos depois da separação, apenas 10% da população da Coreia do Sul tem algum parente ou amigo na Coreia do Norte. A indiferença em relação à questão é ainda maior entre os jovens, que não tiveram contato algum com os irmãos de cima. Mas mesmo quem teve pensa duas vezes antes de insistir no assunto. Quando a Alemanha oriental se juntou à ocidental, a diferença entre os PiBs per capita era de um para três. No caso das Coreias, essa desvantagem chega a um para 44. Os sul-coreanos não têm dúvidas sobre quem pagará a conta na hipótese de uma reunificação.
Já da parte da Coreia do Norte, o temor é de outra natureza. Por mais que Kim Jong-un se faça de louco, não é capaz de acreditar nas próprias mentiras. Ele sabe, assim como seus generais, que, na eventualidade de as Coreias se juntarem, o norte será absorvido pelo sul, e não o contrário — de maneira que, se as coisas saírem do controle, não é improvável que sua cabeça acabe separada do pescoço.
A ditadura norte-coreana é uma das mais cruéis já testemunhadas pela humanidade não só porque condenou milhões de pessoas à ignorância, à fome e à mentira, nem apenas porque mantém 300 000 homens, mulheres e crianças confinados em campos de prisioneiros que fazem o inferno parecer um spa de luxo. A tirania dos Kim é duplamente cruel porque não poupa nem os que conseguem escapar dela. Para eles, o regime reservou outro castigo: o sofrimento de se sentir para sempre uma aberração.
Fonte: http://prosaepolitica.com.br/2013/06/08/os-fugitivos-da-coreia-do-norte/#.UwfDV4XK1VB
O piloto diminui a velocidade diante de soldados norte-coreanos que fazem a patrulha da fronteira e avisa que militares não podem ser fotografados. mais à frente, para diante de uma criança que acena para o barco. Arranca gritos excitados dos chineses ao atirar na sua direção os pacotes de salsicha comprados no quiosque. O menino pega o embrulho e sai em disparada. “Ele está correndo porque tem medo de que o soldado roube o pacote dele”, explica o condutor.
Tanto a Coreia do Norte quanto a do Sul dizem querer a unificação dos países. Para a do Norte, o motivo está ligado, como sempre, à propaganda. Entre as fantasias disseminadas pelo regime, está a de que uma parcela crescente de sul-coreanos sonha em se juntar ao norte para desfrutar a felicidade de viver no Paraíso dos Trabalhadores e só não o faz por causa da implacável repressão do governo de Seul, fantoche do arqui-inimigo americano.
Já na Coreia do Sul, a unificação é componente de um ideário nacionalista compartilhado tanto pela esquerda quanto pela direita, embora com sinceridade cada vez menor da parte de ambas.
Mais de 65 anos depois da separação, apenas 10% da população da Coreia do Sul tem algum parente ou amigo na Coreia do Norte. A indiferença em relação à questão é ainda maior entre os jovens, que não tiveram contato algum com os irmãos de cima. Mas mesmo quem teve pensa duas vezes antes de insistir no assunto. Quando a Alemanha oriental se juntou à ocidental, a diferença entre os PiBs per capita era de um para três. No caso das Coreias, essa desvantagem chega a um para 44. Os sul-coreanos não têm dúvidas sobre quem pagará a conta na hipótese de uma reunificação.
Já da parte da Coreia do Norte, o temor é de outra natureza. Por mais que Kim Jong-un se faça de louco, não é capaz de acreditar nas próprias mentiras. Ele sabe, assim como seus generais, que, na eventualidade de as Coreias se juntarem, o norte será absorvido pelo sul, e não o contrário — de maneira que, se as coisas saírem do controle, não é improvável que sua cabeça acabe separada do pescoço.
A ditadura norte-coreana é uma das mais cruéis já testemunhadas pela humanidade não só porque condenou milhões de pessoas à ignorância, à fome e à mentira, nem apenas porque mantém 300 000 homens, mulheres e crianças confinados em campos de prisioneiros que fazem o inferno parecer um spa de luxo. A tirania dos Kim é duplamente cruel porque não poupa nem os que conseguem escapar dela. Para eles, o regime reservou outro castigo: o sofrimento de se sentir para sempre uma aberração.
Os maiores inimigos do regime
Até o ano passado, o Rio Tumen era, por assim dizer, o local detrabalho do norte-coreano Chuljoo Li (o nome é falso), de 28 anos.
Com água até a cintura, ele negociava com comerciantes chineses, igualmente molhados, os produtos que mais tarde revenderia na sua cidade,na província de Ryanggang, na fronteira com a China. Comprava e vendia “tudo o que se possa imaginar”: arroz, metanfetamina, sofá para a sala, mesa para a cozinha, sapatos e cachorros (sim, esses últimos destinados à mesa). Mas as mais disputadas mercadorias eram, e até hoje são, os DVDs de Ëlmes e novelas sul-coreanos, diz o norte-coreano, que hoje mora em Seul.
Para o governo da Coreia do Norte, trata-se de material de altíssimo poder subversivo. Para moradores das fronteiras, representa a primeira janela para o mundo exterior. Ao mostrarem como os vizinhos do sul vivem — e comem, se vestem e se divertem —, as novelas desmentem a delirante propaganda oficial do regime, segundo a qual a Coreia do Sul é uma nação miserável e repleta de desempregados loucos para se mudar para o norte.
Os norte-coreanos assistem escondido a esses vídeos, que passam de mão em mão entre amigos. Dá cadeia ser pego com um DVD desses. Depois que os computadores entraram para o cardápio de produtos contrabandeados no rio, está cada vez mais fácil driblar a polícia política do regime. “Um DVD é mais difícil de esconder. Já se os guardas pegam você com um pen drive, basta engoli-lo”, diz Li.
Quase 40 dos norte-coreanos refugiados em Seul ouvidos sobre seu passado pela consultoria InterMedia apontaram os DVDs como a maior fonte de informação sobre a vida fora da Coreia do Norte.
Fonte: http://prosaepolitica.com.br/2013/06/08/os-fugitivos-da-coreia-do-norte/#.UwfDV4XK1VB